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quarta-feira, 20 de abril de 2011

A sedução da cultura hegemônica



Existem as culturas em extinção, as culturas isoladas, as culturas dos grupos sociais, as culturas regionais e nacionais e as culturas dominantes e as hegemônicas. Cultura e economia andam juntas, mas são diferentes na essência e forma. Marx sabia disso quando foi para a Inglaterra estudar o capitalismo no seu estado mais avançado para poder entender e projetar as suas estruturas e tendências mundiais. Se, por acaso, ele vivesse hoje e quisesse estudar o futuro da cultura, teria então que passar pelas Américas.
Embora o berço e a juventude das civilizações repouse na Eurásia, as formas contemporâneas e as tendências futuras foram e são moldadas nas Américas. A China, o Oriente Médio, Grécia e Roma são as raízes do mundo que conhecemos. Mesmo possuindo ainda as marcas profundas da base cultural do planeta, todos estes lugares estão relegados a uma posição acessória perante os novos valores que emergiram nas Américas.
Isto porque o caldeirão cultural que se produziu no novo continente possibilitou pela primeira vez a miscigenação entre os mais diferentes povos dos quatro cantos do planeta. Africanos, asiáticos, europeus não apenas combinaram seus valores, foram mais longe, produzindo uma nova cultura da destilação conjunta de elementos e experiências variadas. Mais importante que um mundo multicultural é sua conseqüência a longo prazo: o interculturalismo e o transculturalismo.
A América Latina, particularmente o Brasil, é o maior campo de fusão e fluidez cultural da história. Os brasileiros ainda têm dificuldades de compreender que no Brasil se produziu a melhor semente do mundo de amanhã. Mas assim como o motor do capitalismo trocou a Europa pelos Estados Unidos, onde as elites sabem exercer sua hegemonia, hoje o poder da fusão cultural começa a deixar o Brasil, sem que muitos brasileiros se dêem conta. Pior, o complexo de inferioridade e a idéia de que a combinação de raças e culturas empobrece o Brasil foi e é inconscientemente ainda a base da percepção das nossas elites. 
Durante certo tempo o mundo olhou para a fusão cultural brasileira como um possível modelo para o futuro da Humanidade e para uma resposta positiva à pergunta seguinte: poderá a civilização do século 20 ser mais do que o somatório de tribos étnicas prontas para matar e roubar em nome de uma identidade pragmática e descartável? A incapacidade dos governantes brasileiros de entenderem o país e a sua insensibilidade para reduzir as desigualdades sociais permitiram que as cruéis mazelas do Brasil deformassem a benevolência, a cordialidade emergente do nosso transculturalismo.
Afinal, temos muita miscigenação, com muita discriminação. Boa parte da produção transcultural do Brasil foi rotulada pelas elites de folclore. Para nossas elites a miscigenação era um mal que condenara o Brasil ao atraso eterno. Embora desde Gilberto Freyre esta percepção venha mudando, ela resiste até hoje no subconsciente dos governantes. Quando o mundo percebeu esta realidade concluiu: se os brasileiros se viam como inferiores, então a via brasileira para um mundo de comunhão cultural deveria ser uma farsa e seria melhor manter a política multicultural de cada macaco no seu galho do que a armadilha transcultural da miscigenação brasileira.
Preferindo pagar dois dólares por um hambúrguer do que um dólar pelo nosso nutricionalmente superior prato feito: legumes, cereais, bife e suco; preferindo Papai Noel e neve de algodão, casar com as louras e fornicar com as morenas, nossas elites sufocaram a sedução da nossa cultura e a impediram de se tornar hegemônica. Agiram para reforçar a imagem de um Brasil desigual e inimigo da natureza e entregaram o país à lógica cultural dominante de um mundo formado por tribos com identidades pré-rotuladas, mundo dos guetos e do ódio étnico global.

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